Aos meus Pais

01-08-2025
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Estou lendo Um Lugar ao Sol, da Annie Ernaux, e, de repente, entendo que não sei nada sobre os meus pais. Nada. Não sei a comida favorita, a música que os fazia chorar, o dia em que se apaixonaram ou o instante em que perceberam que o amor tinha acabado. Penso nisso e me pergunto: será que, quando o amor romântico começa a morrer, ele morre assim, aos poucos, como quem apaga as luzes de um quarto para economizar eletricidade, até todas as luzes da casa estarem apagadas.

O silêncio é o primeiro a mudar de nome. Antes, era um abrigo, agora é um muro erguido no meio da sala, separando corpos que um dia se desejaram com urgência. Aquela pele que era febre, sonho, agora é apenas corpo – corpo de pai, de mãe, de alguém que perdeu o rosto do amante e ganhou o rótulo da função. E a paixão, quando morre, deixa o quê? Amor nasce, dizem, mas como se sustenta o corpo cheio de gozo, sem poder gozar? Como suportar a morte do desejo sem enterrar junto a ideia de que ainda existe vida?

Eu sei dos meus pais tanto quanto sei de mim: quase nada. Vivo entre a evitação e a negação, inventando versões para suportar as lacunas. Tudo o que sei parece ter sido fabricado. Histórias contadas para preencher o silêncio, para dar contorno a uma ausência. E, no fundo, tudo se resume a isso: não existimos para além do olhar do outro. Para cada pessoa que nos olha, somos uma versão moldada, uma narrativa criada para caber no espaço do desejo ou da expectativa.

Talvez minha mãe nunca tenha gostado de fazer arroz de forno. Talvez tenha sido apenas um gesto automático, uma receita que aprendeu para sobreviver ao que chamavam de lar. Mas, para mim, aquele arroz sempre pareceu um ato de amor. Eu me agarrei a essa ideia, porque é difícil admitir que, para ela, a maternidade pode ter sido só um acidente, um resultado de atitudes inconsequentes. Um pequeno impulso que gerou vida – a minha.

Meu avô morreu e, dele, só me ficou uma imagem: sentado no portão, em silêncio, olhando para o nada. Descascando mexericas no muro da chácara. Sempre quieto, como se estivesse esperando um trem que nunca vinha. Esse silêncio também me pertence. Talvez seja herança.

E eu penso: o que sabemos, de fato, sobre as pessoas que nos fizeram existir? O que existe para além das fotografias e das versões que contamos para suportar a ideia de família? Talvez sejamos todos estranhos tentando inventar um laço, como quem costura um tecido gasto só para não ver o rasgo aumentar.

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