Orquídea

04-08-2021
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Estava relendo um dos meus contos favoritos: "Quando Júpiter encontrou Saturno". E justo eu, de regente Júpiter, e ela, de regente Saturno. Se eu acreditasse em destino, diria que é destino. Mas ainda está muito cedo para saber, e já me enganei tantas vezes no caminho que não ouso palpitar. As coisas se mostram como elas são no momento certo — essa é minha única certeza.

Penso muito que vemos as coisas como queremos ver, quase que numa necessidade de enganar a si mesmo, de encontrar uma justificativa para não encarar ou para dar um significado maior aos eventos da vida.

Explico.
Encontrei ele — rapaz magrelo e costas meio curvadas — na estação do metrô. Era junho, julho, talvez dezembro… eu não lembro. Mas, nesse dia, peguei o caminho errado e fui parar na estação Barra Funda, em São Paulo. E ele — esse mesmo menino de blusa do Ganesha e calças coloridas — dormiu na estação e também desceu no ponto errado: a Barra Funda.

Ele me viu de sari e veio falar comigo. Passamos três estações conversando, até ele descer na República. Trocamos apenas o nome. Se fosse cinquenta anos atrás, esse encontro não teria passado disso: um encontro. Mas hoje, com o advento das redes sociais, encontrei o nome dele no Facebook. Nada romântico como procurar alguém na lista telefônica ou enviar uma carta para um destino aleatório esperando que fosse o seu amor — mas foi como aconteceu. Gravei o nome dele e, após algumas tentativas erradas, encontrei a pessoa certa.

Isso ficou anos na minha cabeça como um encontro do destino: duas pessoas que fizeram o caminho inverso e se encontraram — como se o inverso fosse o certo.

Em 2018, indo para a Holanda, eu sentei na janela esperando que o verdadeiro dono daquele assento não se importasse. Um rapaz do qual não me lembro — simplesmente não me lembro desses detalhes pessoais como cor da blusa ou armação dos óculos. Algumas coisas, no decorrer do tempo, viram apenas isso: um grande borrão na cabeça, como se o cérebro passasse por um filtro do que importa e do que não importa tanto assim. Só não sei o critério dele para separar o que vale ou não a pena ser lembrado. — Mas esse rapaz me pediu gentilmente para desocupar seu lugar. E, a partir daí, conversamos por quatorze horas. Foram quatorze horas de vida compartilhada e dormindo encostada em seu ombro.

Na alfândega, trocamos contato, mas me esqueci de todos os possíveis reencontros. Para ele, foi destino. Para mim, apenas alguém com quem conversei por horas dentro de um avião.

Um mês depois, nos encontramos no Vondelpark de forma espontânea. Explico: levei um bolo de uma conhecida e ele, por acaso do acaso, estava passeando com a família. Quais as chances de duas pessoas que sentaram juntas no avião se encontrarem, um mês depois, de forma espontânea, em um dos — ou senão o maior — parque de Amsterdã?

Para mim, uma coincidência. Para ele, destino.

Destino ou não, a única coisa que sei é que escrevi uma carta para ela. E eu não escrevia cartas para ninguém há mais tempo do que meus dedos possam contar.

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