Epigenética

25-06-2025

Esse texto foi escrito originalmente dia 01 de Outubro de 2021

6 de setembro de 2021
Graz, Áustria 

A Hayley morreu. Dez anos desde a primeira vez que a peguei no colo — e ainda sinto aqueles olhos observadores me fitando. Nunca estamos preparados para a morte, embora ela seja a única coisa da qual temos absoluta certeza: o destino inevitável, a última parada de toda entidade viva.

Escrevo sentada no McDonald's. Daqui a pouco embarco para Veneza. Eu, sentada no McDonald's, enquanto ela morria. Quantas coisas paralelas acontecem ao mesmo tempo. Alguns nascem exatamente no mesmo segundo em que outra pessoa morre; outros começam a pintar no mesmo dia em que alguém larga a faculdade.

Cheguei em Veneza às 7h. Dezoito graus, e o céu mesclava tons de rosa com laranja. A lua crescente esboçava um sorriso. A cidade é colorida, cheia de vida — movimentada por pessoas que falam alto e gesticulam.
Vida. Repito baixinho para mim mesma, três vezes: vida. Vida. Vida.

Faço o mesmo percurso que, três gerações atrás, meu bisavô fez: o de ser imigrante. Penso em Zé Ramalho cantando Avohai e desejo que meu pai estivesse aqui. Lembro do vovô, que já não está entre nós. Nele, Primiglio Passarini, carrego o sangue e o sobrenome. Tento imaginar sua chegada à "pátria amada e idolatrada Brasil", os pertences e retratos que deixou, os itens que ainda continuam em sua mala. Será que ele também escrevia? São tantas questões sobre minha própria existência, vinculadas a um ser do qual não conheci o rosto, o timbre da voz ou a cor dos olhos.

A epigenética — "epi" é um prefixo grego que significa "sobre", "por cima". Em resumo, trata-se da capacidade que o corpo humano desenvolveu de ativar ou desativar genes conforme o ambiente ou as experiências de vida, sem alterar a sequência do DNA. Um estudo mostrou que até três gerações dos filhos de ratos que levaram choques desenvolveram medo da mesma ameaça. Como uma memória genética, sabe?
Aí penso no tanto de coisa que é minha e que não é. Coisas que vieram dos meus pais, dos meus avós, bisavós. Será que minha bisavó tinha medo de nadar — e por isso eu também não sei nadar? Será que eu não como carne porque minha tia-avó pegou asco durante a gravidez?

Cheguei à Itália sem roaming, sem mapa, sem destino. Na agenda, apenas dois endereços: a livraria mais antiga da cidade e a praça principal. Não lembro qual foi a última vez que saí sem algo milimetricamente planejado, sem tempo contado no relógio, sem uma expectativa pronta para ser frustrada. Foi a primeira vez que eu simplesmente saí rumo ao nada — e preparada para ir de encontro a tudo. Abraçando cada esquina, entrando em cada beco, parando em cada praça. Caminhar pelas ruas estreitas de Veneza me lembrou um pouco da liberdade de se perder e se achar. E eu fico rindo sozinha, quando penso que esses mesmos caminhos por onde cambaleio apaixonada são os mesmos que milhões de venezianos percorrem todos os dias — e já nem percebem os detalhes do percurso.

Qual foi a última coisa que você fez como se fosse a primeira vez?

17h30 — Trieste

Estou em Trieste esperando meu ônibus para Graz. Meu cabelo está sujo. Já escovei os dentes duas vezes na pia do banheiro da estação e continuo sentindo pedaços de pizza cravados na boca. No meio desse cansaço todo, vi o mar — e, por um quase impulso, não pulei. Mas pensei em ficar por lá.

E as pessoas que pularam e ficaram?

Reflito muito nessas mudanças de destino que acontecem assim — num impulso. A mesma coisa aconteceu comigo em 2012, quando cheguei ao trabalho e decidi que iria virar monja. Ou quando entrei no barquinho escrito "Pontal do Sul" e não "Curitiba". Assim: uma decisão sem critérios, sem base sólida. Mudar de vida como quem muda de roupa.

Fico pensando nos caminhantes que simplesmente, um dia, decidiram parar na próxima estação, descer no vagão errado, pegar um avião qualquer. Às vezes, nossa vida simplesmente muda do nada.


Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora