Cartas para um Curinga

Graz, Áustria
Toda história tem um começo, e eu gostaria de ter um começo profético, inspirador — como Emily Dickinson, que "precisava escrever pois não há vida sem escrita" —, mas, na verdade, comecei a escrever como tentativa de entender a mim mesma, e todo o complexo que engloba o "eu". Não foi nada profético, nem brilhante; foi apenas um instinto: fazer algo com o que não se consegue compreender. Talvez uma tentativa de traduzir o abstrato dos pensamentos e transformar em algo sólido, concreto — como a escrita.
Meu primeiro parceiro de cartas foi ele: rapaz alto, olhos melancólicos como Nick Cave, e cabelos jogados cobrindo parcialmente sua vista, como quem sabota a si mesmo, evitando encarar em totalidade a vida. Ele escutava The Killers e me emprestou O Dia do Curinga. Acho que foi assim que tudo começou. Preferia ser chamado de Leon, como Tolstói, mas seu nome mesmo — aquele de registro, que a gente é obrigado a carregar pelo resto da vida, algo como um nome do qual nem temos direito de escolher — esse nome, eu não me recordo. Mas não me importo. Ele foi, e foi muito mais que só um nome.
Passamos um ano trocando cartas sobre filosofia. Foi a primeira vez na vida que me questionei: quem sou? Deus existe? O que existe depois — e se há um depois? Pela primeira vez, senti que havia outras pessoas como eu. Pessoas que sentavam em frente ao Coliseu e faziam as mesmas perguntas, sem saber que séculos se passariam e essas mesmas perguntas continuariam sendo feitas — em outros idiomas e rostos.
Fiquei obcecada em escrever, e só pensava em chegar na sala de aula e me deparar com as cartas dele. Era uma espécie de romance platônico baseado na escrita. Um dia, as dores começaram — e eu também descobri um aspecto doloroso da minha personalidade: eu não sei amar as pessoas, ou a maior parte delas, como elas esperam. Para mim, o laço é atemporal, e não preciso da companhia contínua para o café, para o cinema. Eu gosto de tomar café sozinha, ir ao cinema sozinha — e as pessoas não entendem. Mas isso é outra história. E eu prometo que vou contar.
Naturalmente, os caminhos seguiram rumos opostos: ele, afundado na sua depressão e isolamento; eu, egoísta ou altruísta, encravada no que agora me considerava — uma rebelde de franjas curtas no estilo Bikini Kill, batons vermelhos e tatuagem feita com RG falso. Continuei escrevendo, mas agora no Clube da Carta. Conheci pessoas magicamente encantadoras nesse percurso.
Mary Jane tinha cabelos laranjas, depois esverdeados — e foi um amor platônico no estilo Heavenly Creatures. Ela há muito me contava sobre a Irlanda e sobre ir morar na casa de uma fada. Anos depois, descobri que concretizou esse sonho. Mary Jane, da qual nunca soube o nome real, um dia desapareceu — como eu sempre soube que faria — deixando apenas um tufo de seu cabelo enrolado num lenço de seda.
Conheci também a Gi, nome que era a única coisa que nos unia. Gi acreditava em Deus, fazia Serviço Social e escrevia melhor do que qualquer poeta que eu tive a infelicidade de conhecer. Não sei como tudo na minha vida, às vezes, parece desaparecer como um sonho abstrato — mas ela também foi embora, levada pela rotina massante, falta de sono e horários apertados para ir ao correio. Foi aí que percebi que estava me tornando mulher: precisamos escolher entre o querer e o precisar.
Eu também estava sendo consumida. Mas não por almoços de 30 minutos antes do meu chefe chegar, ou ônibus lotado no fim do dia — e sim por dores no corpo, das quais jurei por anos ser algum tipo de maldição, carma, punição divina por me questionar quem era Deus ou por não ser uma menina boa. Embora eu veja hoje que, em toda a minha maldade, sempre houve uma pureza inata — quase como a de uma criança que faz manha só para receber um colo.
As cartas, pouco a pouco, foram diminuindo até não sobrar nada. Um dia, numa viagem para a Ilha do Mel, decidi — por impulso — abrir mão de todas as cartas. Descobri, anos mais tarde, que sinto, de tempos em tempos, um estranho prazer em ir embora, em recomeçar, sem cortar os laços com o passado — quase como uma tentativa de me recordar dele.